quarta-feira, janeiro 07, 2015

antónio gama: um geógrafo peculiar

«Não sei se António Gama alguma vez plantou uma árvore. Sei que não escreveu “o” livro (a tese de doutoramento) e que não teve filhos. Mas isso não o impediu de ter influenciado sucessivas gerações de alunos e colegas, nas aulas ou em longas tertúlias, e de ter maravilhado inúmeras crianças, com os bonecos feitos de miolo de pão que surgiam das suas mãos, quase que por milagre, durante os almoços e jantares de grupo.

António Gama faz parte de uma geração de charneira. Filhos do maio de 68, bafejados pela Primavera Marcelista e protagonistas do período pós-25 de abril, muitos dessa geração contribuíram, de modo voluntarioso e empenhado, para abrir a ciência, então vista como necessariamente neutra, à política, bem como a academia, ainda por muitos encarada como uma torre de marfim, à sociedade. A Geografia, uma ciência humana de base naturalista, e Coimbra, uma cidade universitária rigidamente segmentada entre estudantes e futricas, tornavam essa tarefa particularmente imperiosa.

É nesse contexto social e histórico que nasce na Geografia a primeira geração de pensamento múltiplo: formada de acordo com as perspetivas tradicionais já em declínio noutros países mas ainda dominantes em Portugal, influenciada pelas correntes neopositivistas de origem anglo-saxónica então emergentes em todo o mundo ocidental e crítica, a partir de referenciais teóricos e ideológicos distintos, tanto das primeiras como das segundas. É uma geração eclética e contraditória, que compensa a fragilidade de muitas das suas posições com o entusiasmo com que as defende e as procura colocar em prática na Universidade, nos departamentos de Geografia e nas aulas. E é, também, a geração que fecha o ciclo das escolas científicas regionais ou nacionais, com precursores, fundadores e patronos bem identificados, para se envolver na construção de conhecimento científico numa ótica transnacional, para alguns talvez mesmo universal.
António Gama é um dos últimos representantes da Escola de Geografia de Coimbra e um dos primeiros a romper explicitamente com ela. Francófono e francófilo, é sobretudo a autores de língua francesa, ou de diferentes nacionalidades mas com períodos de exílio em França (como Milton Santos), que recorre no seu esforço de estender a geografia às ciências sociais, trazendo as teorias sociais para a geografia e levando as questões do espaço para as ciências sociais, e de entender a evolução da disciplina à luz da história e da filosofia do pensamento científico. Ao contrário de outros geógrafos da sua geração, mais focados no mundo anglo-saxónico e em autores do domínio da geografia, António Gama enceta um percurso relativamente singular, beneficiando, sem dúvida, dos contactos e debates com amigos e colegas do Centro de Estudos Sociais.

Mas a preocupação pela teoria e pela filosofia, sempre presente nas aulas e nas conversas infindáveis que se prolongavam noite fora numa tasca, na casa de um amigo ou simplesmente de pé no passeio de uma qualquer rua, dava lugar a análises pormenorizadas e descritivas, recheadas de factos, datas, nomes e outras referências empíricas quando percorríamos uma cidade, atravessávamos um vale, visitávamos lugares mais ou menos recônditos, ou subíamos a um morro para observar a paisagem. Com os olhos brilhantes de entusiasmo, as suas explicações mostravam que a velha geografia dos Mestres estava mais viva do que julgávamos e que era bem mais interessante do que os debates teóricos e filosóficos que tivéramos meia hora antes deixavam antever.

António Gama amava os livros e a leitura, a reflexão e a controvérsia. Tinha relações de amor-ódio com figuras que considerava como sendo de referência – desde o jornalista Francisco Sousa Tavares, então cronista do vespertino A Capital, ao geógrafo Paul Claval, tantas vezes por ele citado nas aulas – exatamente porque os admirava e, por isso, o incomodava que não correspondessem às suas expectativas, que não partilhassem as suas perspetivas, que não lhe indicassem caminhos que ele gostaria de ter descoberto.

Generoso e convivial, António Gama gostava mais de tratar dos outros do que de si próprio. Na verdade, não era um tribuno eloquente nem um escritor profícuo. Cultivava, com orgulho e eficiência, uma oralidade de proximidade: apoiar os alunos e ex-alunos, divulgar junto dos colegas o último artigo que tinha lido ou o livro acabado de comprar, comentar com os amigos acontecimentos recentes, enquadrando-os e problematizando-os. A sua influência era capilar, por vezes quase subliminar: sim, foi o Gama que indicou, que leu, que disse, que explicou. Uma partilha serena e horizontal, sem tiques de autoritarismo professoral ou de superioridade de quem leu mais, de quem sabe mais. A sua relação com os outros baseava-se, em grande medida, nesse tipo de partilha permanente. Nunca me pareceu aspirar a ser Mestre, o novo Mestre, da geografia da Universidade de Coimbra. Gostava, isso sim, de ser reconhecido como uma fonte credível onde quem quisesse poderia beber com proveito. A iluminá-lo, a imensidão de livros amontoados que em sua casa o cercavam literalmente, mesmo nas divisões mais improváveis.

Distraído e desorganizado, apaixonado e crédulo, António Gama deixou-se enredar pela vida – ou ele próprio a enredou – em momentos decisivos do seu percurso pessoal e profissional. Podia ter sido o líder natural da geração de geógrafos portugueses do pós-25 de abril. Não foi, talvez porque esse objetivo não fazia parte das suas ambições. Afinal, o seu registo sempre foi o da proximidade e da interação pessoal. António Gama também podia ter sido o embrião de uma nova escola de geografia de Coimbra, eclética e cosmopolita mas agarrada ao terreno, calcorreável, tal como os velhos Mestres da Geografia a ensinavam e praticavam. Terá chegado cedo demais?

Munidos das mais sofisticadas técnicas bibliométricas, os estudiosos da ciência da segunda metade do século XXI terão dificuldade em encontrar António Gama num vasto firmamento repleto de estrelas científicas. Mas António Gama não é uma estrela, é um cometa. E os cometas, quando passam, iluminam-nos de tal forma que colocam em segundo plano qualquer estrela, mesmo a mais brilhante.

Em 31 de dezembro de 2014, um dia depois de ter feito 66 anos, António Gama faleceu em Coimbra, a sua cidade, uma cidade que conhecia e amava como poucos. Partiu um cometa invulgar, peculiar, com destino desconhecido mas, estou certo, com um período de retorno curto. Esse retorno é, afinal, uma tarefa dos que, da geografia ou de outras áreas do saber, gostam de valorizar, na academia ou fora dela, pessoas e ideias que deixam rasto, que marcam uma época e lugares específicos, e que, por isso, merecem ser recordadas, debatidas e celebradas.»

João Ferrão
ICS - Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa

(Artigo de homenagem a António Gama Mendes, a publicar em breve na Finisterra, Revista Portuguesa de Geografia, vol. L, nº 99)

terça-feira, julho 15, 2014

é isto

«Quem não perceber que estamos a viver um momento fundador, onde se define, em Portugal e na Europa, o que vai ser destruído do nosso passado e o que vai ser construído para o nosso futuro, pode continuar a fazer política como antes. Sabendo que o que se perder agora dificilmente pode vir a ser recuperado. Só quem percebe que a urgência deste momento histórico obriga a vencer incómodos e tabus e a assumir o risco do erro pode ter uma agenda realmente transformadora. Quem quer permanecer puro e virgem, longe do poder e no conforto da mera resistência, não transforma nada. Nem sequer se transforma a si mesmo.»

Daniel Oliveira, «Ou queres governar ou serás sempre governado», a ler na íntegra aqui.

quinta-feira, maio 03, 2012

evocação

domingo, fevereiro 19, 2012

frases do ano

«Na ditadura, Portugal teve um General Sem Medo candidato a Presidente. Foi morto. Agora, em democracia, tem um Presidente com medo - de uma escola Secundária.»

Pedro Santos Guerreiro, A precária idade.

sábado, dezembro 31, 2011

todo cambia

De Mercedes Sosa, em Habemus Papam, de Nanni Moretti

quarta-feira, dezembro 14, 2011

frases do ano

«Os deputados sabem que podem contar comigo para defender a imagem a que temos direito, que é uma imagem de dignidade. E é uma dignidade acrescida pelo sentido de entrega que é superior ao do cidadão comum, à das pessoas que estão habituadas às suas vidinhas.»
(Via Joana Lopes, no Entre as Brumas da Memória)

O que terá dado a Assunção Esteves, segunda figura da nação, para fazer uma afirmação deste calibre?

sábado, dezembro 10, 2011

cidades com estátuas (XX)

Zagreb (Maio de 2011)

segunda-feira, setembro 26, 2011

o bloco em discussão

dez ideias para a construção de um novo bloco social
Alexandre Abreu, João Rodrigues, Nuno Serra e Nuno Teles

1. A esquerda nunca desiste
À esquerda e à direita, multiplica-se uma chantagem com intensos efeitos desmobilizadores: sair do euro é o desastre; o euro é o nosso destino. De forma voluntária ou involuntária, é todo um programa de submissão que se desenha perante o agudizar da crise. Num contexto em que a austeridade patrocinada pelas instituições europeias e pelo FMI intensifica a crise, com a cumplicidade de governos subalternos, a esquerda tem de ter alternativas realistas globais e assumir todas as consequências das suas propostas corajosas para superar a economia da dívida e da inserção dependente, como é o caso da auditoria democrática e da reestruturação da dívida pública por iniciativa das periferias. Uma proposta que envolve necessariamente a perspectiva de incumprimento por parte do Estado Português e cujas implicações a esquerda tem de ter coragem para enfrentar. Só as alternativas globais dão hoje esperança. E só a esperança pode mobilizar uma ampla aliança social e política capaz de construir outro país e outra Europa depois da ruína neoliberal.

2. A derrota da esquerda é o outro nome deste euro
As políticas neoliberais estão inscritas na arquitectura deste euro, nisto todos concordamos. Mas poucos conseguem identificar a responsabilidade central desta arquitectura nos desequilíbrios estruturais que estão na raiz dos ataques especulativos de que somos vítimas, focando-se antes no conjuntural aumento de dívida pública. As políticas neoliberais da troika atacam o salário directo e indirecto, o Estado social, mudam estruturalmente as relações entre as forças sociais, enfraquecem o que faz a força do trabalho organizado – o direito do trabalho, a negociação colectiva, o subsídio de desemprego – e asseguram a captura privada de recursos públicos. Nas periferias, estas políticas e a manutenção de um euro concebido para servir os interesses das economias do centro garantem anos sem fim de desenvolvimento do subdesenvolvimento, de empobrecimento, de atrofiamento das energias vitais das classes populares e de desmobilização, assegurando a derrota permanente de uma esquerda sem alternativas estruturais, sem um projecto hegemónico consistente para a sociedade, agarrada à defesa de serviços públicos sem futuro numa economia cada vez mais medíocre.

3. Sair do euro tem de estar em cima da mesa
A esquerda que propõe a reestruturação da dívida como arma das periferias tem de estar preparada para o cenário de saída do euro num contexto novo, marcado por uma intensa agudização das fracturas entre centro e periferia, acentuado pela acção inconsciente das forças da especulação financeira. A esquerda tem a obrigação ético-política de preparar desde já o país para esse cenário, estruturando propostas robustas que minimizem os seus custos e potenciem os seus benefícios. À esquerda não basta fazer análise. À esquerda mobilizam-se todas as alavancas e trabalham-se politicamente todas as perspectivas, porque a esquerda deve pretender construir um projecto socialista hegemónico para Portugal. Porque a esquerda quer governar.
Recusar, por princípio, um dos mais prováveis cenários que se desenham no horizonte – a saída do euro – é desistir do combate por uma outra economia, por uma outra trajectória para o país. Uma trajectória definida pela criatividade e energia de um amplo bloco social transformador. Os seus adversários são claros: o capital financeiro, os grandes grupos rentistas que com ele estão imbricados e os seus ideólogos, ou seja, os que vivem da expropriação financeira e da pilhagem de bens comuns e os que as legitimam à sombra do liberalismo. Só uma política de alianças que possa vir a incorporar fracções subalternas de grupos sociais por mobilizar, que vão para lá das classes trabalhadoras e que incluem sectores do capital produtivo igualmente afectados pela austeridade recessiva, pode recuperar as capacidades económicas do país e avançar com uma política de re-industrialização, que é parte de um processo mais amplo de modernização económica, ao pressupor uma estreita imbricação com a manutenção e o aprofundamento do Estado social.

4. Como deve a esquerda europeísta formular a questão da saída do euro?
Qualquer alteração da arquitectura europeia que supere a economia de austeridade tem de partir da iniciativa de governos nacionais, pressionados política e socialmente e articulados com outros governos na mesma situação. As euro-obrigações, as alterações necessárias à actuação do BCE ou o reforço do papel do Banco Europeu de Investimento são necessários no curto prazo para uma reconfiguração sustentável do euro. As convergências fiscal e ao nível dos direitos sociais e laborais e a transformação das regras do mercado interno de modo a permitir políticas industriais dignas desse nome também têm de ser favorecidas. Estas alternativas não surgirão em resultado da clarividência das elites políticas do centro europeu. As periferias têm por isso de usar a arma da reestruturação da dívida como uma das alavancas políticas mais promissoras para forçar mudanças que terão de ter um pendor federalista, visando, ainda que num prazo mais longo, a instituição de mecanismos adequados de legitimação democrática.
Não há verdadeiro orçamento europeu ou moeda europeia sem Estado Europeu. Esta proposta implica uma estratégia de tensão que encara de frente a bifurcação europeia e a submissão da troika interna: federalização democrática ou aceleração do fim do euro. Este último cenário será fruto de uma ruptura deliberada ou da acção inconsciente das forças de mercado, já que não é do interesse político-económico do centro europeu expulsar qualquer país do euro. Assim que a opinião pública se aperceba disso, a possibilidade de rebelião aumentará.

5. Custos e benefícios da saída do euro
Sair do euro tem custos? Claro que sim. Uma saída do euro organizada teria de antecipar um conjunto de problemas: a escassez de divisas, dívida externa denominada em euros de algumas empresas, provisão de bens alimentares e energéticos. Há reflexão neste campo (uso das reservas de ouro, necessidade de acordos bilaterais) que precisa de ser aprofundada. Sejamos directos: tal opção implicaria meses de perda de poder de compra dos salários e das pensões, devido ao aumento dos preços e à turbulência. Mas sejamos verdadeiros: esta perda, fruto da desvalorização cambial, é temporalmente mais curta, mais facilmente reversível e menos corrosiva do que o processo de ajustamento salarial em que estamos envolvidos e que opera através da pressão do desemprego e da destruição dos sindicatos e do Estado social. Além disso, o valor real das dívidas, agora denominadas na nova moeda, também diminuiria em termos relativos, devido à inflação prevista, ajustando-se aos rendimentos dos portugueses. Por outro lado, as vantagens da recuperação da soberania monetária não se limitam ao necessário aumento da competitividade externa da economia portuguesa. A possibilidade de financiamento directo ao Estado e de adopção de uma política monetária direccionada para o crescimento são aspectos essenciais do processo que assumem uma importância central na avaliação deste cenário. Acrescem ainda a obrigatoriedade de instituir controlos de capitais e de nacionalizar o sistema financeiro, entre tantos outros elementos de mudança.

6. Recusar rótulos
As acusações de nacionalismo, ou de colagem pura e simples à direita, no contexto da discussão sobre a saída do euro procuram estreitar o debate de forma pouco séria. O delineamento de uma estratégia consistente e sustentável de saída apresenta-se com uma das poucas armas negociais de que os Estados hoje dispõem no enquadramento europeu. Não se pode, de facto, defender uma reestruturação da dívida liderada pelos devedores sem colocar este cenário em cima da mesa. Trata-se de um debate que se encontra numa fase ainda embrionária e que requer muito mais trabalho colectivo. Recusamos por isso as tentativas de, à partida, sugerir como inevitáveis certas consequências trágicas da saída do euro (como dizer que as dívidas das famílias à banca continuariam em euros), utilizando de forma pouco séria os exemplos de outros países. Aliás, não se pode recusar a comparação com países que reestruturaram as suas dívidas (processo que o BE defende), apelando a exemplos (como o da nacionalização da banca irlandesa) que nada têm a ver com a situação do nosso país. O medo não pode paralisar o debate.
Assinalamos, entretanto, que a saída do euro não está, à partida, vinculada a nenhuma opção ideológica – nem de esquerda, nem de direita. Recusamos portanto a fetichização monetária que entende a simples autonomia monetária como projecto político. Sabemos que não é na moeda, mas sim na política que a controla e manipula, que se fazem as opções ideológicas. No euro ou fora dele. Só uma discussão séria e plural pode indicar as escolhas disponíveis à esquerda neste campo.

7. A esquerda não pode limitar as suas propostas e reivindicações à esfera estatal
Se a defesa dos serviços públicos e a reforma fiscal são parte necessária do campo de proposta da esquerda, esta não pode ignorar o contexto agudo de crise económica em que o país está mergulhado. As respostas e as propostas de hoje não podem ser as mesmas de há uma década. O diagnóstico sobre os problemas estruturais da economia portuguesa – nomeadamente a dívida externa, o sistema financeiro disfuncional e o carácter rentista do grande capital nacional – implicam a premência de um programa de recomposição da economia portuguesa. O papel do Estado na economia, a refundação do seu sistema de crédito e a articulação com os interesses e a participação dos trabalhadores na definição de um rumo de prosperidade e justiça social são hoje mais urgentes do que nunca.

8. Não há resistência sem alternativa
O Bloco apresenta-se hoje perante o país sem alternativa económica. As propostas – sem dúvida acertadas – de reestruturação da dívida assente numa auditoria democrática e de repúdio de partes dessa mesma dívida são apresentadas no debate público como a solução não só para o país mas também para os credores: à reestruturação seguir-se-ia um retorno aos mercados de capitais a taxas de juro razoáveis, mantendo-se assim um modelo que continuaria assente na financeirização da economia. Em contraste com esta posição, consideramos que os interesses dos países da periferia e do capital financeiro são hoje inconciliáveis: a saída da crise não se faz através da mera regularização das contas públicas nacionais, mas sim respondendo aos desequilíbrios estruturais da economia portuguesa. Perante o abismo que se aproxima, são inevitáveis rupturas face ao consenso actual. É responsabilidade do BE ter alternativa e liderar a recomposição de alianças sociais e políticas que necessariamente terá lugar. Só assim conseguiremos colocar os interesses dos trabalhadores na vanguarda da mudança.

9. Tornar credível a mudança, tornar possível o futuro
Apesar da acumulação de sinais evidentes em contrário, a sociedade portuguesa continua a encarar resignadamente a austeridade como caminho único – realista e inevitável – para a saída da crise. A inexistência de condições para uma discussão verdadeiramente democrática, informada e plural das alternativas no espaço público e a determinação tenaz das lideranças europeias em prosseguir o aprofundamento do projecto neoliberal dificultam a recusa consequente, por parte do eleitorado, do abismo a que a opção imposta necessariamente conduz. A inversão desta trajectória, porém, não depende apenas do fim da hegemonia do pensamento único nos espaços de debate, nem de uma improvável mudança de orientação das actuais lideranças europeias. Tal como será ilusório apostar, com esperança desmesurada, no «poder das ruas» e da contestação social, cuja insuficiência o caso grego parece demonstrar de forma lapidar.
Importa por isso reconhecer também que, até hoje, o Bloco não conseguiu apresentar uma alternativa verdadeiramente substantiva e credível – aos olhos dos cidadãos – para o memorando da troika. Isto é, uma alternativa capaz de ombrear e responder, de forma combativa, à proposta austeritária para a situação em que o país se encontra. É nessa incapacidade que reside porventura o maior obstáculo à inflexão das opiniões públicas e do eleitorado, que se traduza numa necessária e urgente recomposição parlamentar e governativa. A apresentação de um projecto claro, coeso e credível para a resolução dos problemas do país é por isso uma condição necessária para a alteração da relação de forças. Não basta a resistência e a agitação: é tempo de sermos exigentes connosco próprios.

10. A esquerda não dispensa entendimentos e convergências
O poder do projecto neoliberal, renascido e revitalizado, e a subsequente imposição das soluções austeritárias que se lhe associam, é hoje tão forte como surpreendente, se pensarmos que a crise financeira parecia ter esboroado – com ampla evidência – os pilares que o sustinham. Dos impactos nefastos da desregulamentação dos mercados à falência manifesta das fórmulas do Estado mínimo, passando pela evidente cedência que significaram as terceiras vias, tudo parecia indicar que o tempo seria, novamente, devolvido às esquerdas.
O combate pela superação deste regresso tão inesperado como pujante da ortodoxia neoliberal não é – contudo – nem fácil nem simples, exigindo um amplo diálogo para a construção plural de alternativas coesas. Os tempos não são de enquistamento e trincheira: as dificuldades impõem um espírito capaz de concertar alianças e convergências.
Entendemos, por isso, que a estratégia do Bloco para os tempos que se avizinham tem de passar por dois objectivos em estreita articulação. Por um lado, contribuir para a junção das forças sociais e políticas anti-austeritárias, tendo em vista influenciar substantivamente os parâmetros que enquadram o debate público e a decisão política. Por outro, procurar que prevaleçam, no seio do debate entre as esquerdas, as posições mais progressistas e eficazes.
O que significa, a nosso ver, que o Bloco tem de saber antecipar e suscitar a apresentação de alternativas globais, claras e consistentes à esquerda, identificando aspectos susceptíveis de estabelecer convergências com as outras forças políticas. E recusar, naturalmente, leituras apressadas e simplistas das tácticas e dinâmicas internas de partidos como o PS ou o PCP. A relevância futura do Bloco, medida em termos da sua capacidade de influenciar o debate político e as decisões que daí decorrerão, não depende portanto da sistemática afirmação das suas diferenças nem do seu distanciamento em relação aos partidos mencionados. Depende, isso sim, da sua capacidade para convocar alternativas credíveis, que consigam mobilizar consensos alargados.
Com uma estratégia clara, a esquerda socialista estará em melhor condições de protagonizar entendimentos flexíveis com todas as forças sociais e políticas que possam contribuir para a concretização, a várias escalas, de um programa de mudança. Com uma linha clara, a esquerda pode e deve estar menos preocupada em encontrar linhas de demarcação entre as forças políticas que a constituem e mais em encontrar pontos de entendimento.

A nossa responsabilidade é clara: ser o motor da construção de um amplo bloco social apetrechado com um programa ambicioso, que faz a luta toda, e é assim capaz de disputar a hegemonia e de devolver a esperança ao país.

(Contributo para os debates em curso sobre os desafios que se colocam ao Bloco de Esquerda perante a actual situação nacional e europeia).

sábado, setembro 24, 2011

a trivialização do desespero

Há uma página particularmente perturbadora no Público de quarta-feira passada. É a página do artigo assinado por Isabel Arriaga e Cunha, sobre as conversações entre a troika e o governo grego. Em causa está o acordo sobre medidas adicionais de austeridade (orçadas em 4 mil milhões de euros), necessárias à aprovação de uma tranche de 8 mil milhões de euros, aprovada em Maio de 2010.
Embora constitua mais uma evidência dos resultados contraproducentes da sangria austeritária, não é o artigo em si que perturba de forma particular. Nem é, sequer, o facto de vir acompanhado pela foto que o ladeia. Essa foto - pelo que é e representa - será sempre terrível, quando e onde quer que seja publicada. O que é particularmente perturbador - ou melhor, acrescidamente perturbador - é a legenda escolhida: «Protestos voltaram há vários dias às ruas de Atenas». Isto é, o texto escolhido para entitular a foto em que um homem se imola pelo fogo assume essa precisa imagem como ilustração «nor-mal» (corrente, comum), do regresso dos protestos às ruas de Atenas.
Presumo, sem dificuldade, que o título escolhido não pretenda «normalizar» esta forma limite de protesto (ilustrando-a como se poderiam ilustrar outras formas, comuns, de protesto). Mas nem por isso a relação entre a fotografia e a legenda deixa de ser menos perturbadora. Ela mostra, porventura, uma das faces mais sinistras da vertigem austeritária: o ajustar progressivo do que é tolerável para níveis crescentemente indignos e imorais; a resignação que desce, um a um, os degraus do fosso dos retrocessos sociais que a austeridade cava consecutivamente.

(Sobre a destruição do tecido económico local e a deterioração das condições de vida em Atenas, resultante das ondas do choque austeritário, vale a pena ler este testemunho de um jurista de Viena, que há cerca de ano e meio vive num apartamento da capital grega).

(Publicado originalmente no Ladrões de Bicicletas)

sexta-feira, setembro 23, 2011

dicionário actualizado

«Falhar não é opção, falhar não existe no dicionário do governo», assegurava no início de Agosto o ministro Álvaro Santos Pereira, numa genuina profissão de fé na via austeritária. Mas hoje, na entrevista à RTP, Passos Coelho revela, em duas passagens, estar consciente de que trilha o caminho que conduz ao abismo: quando admite que, daqui a quatro anos, as contas podem estar equilibradas mas a economia de rastos; e quando reconhece a possibilidade de vir a ser necessário um reforço da «ajuda» financeira externa.
A palavra «falhar» começou portanto, oficialmente, a fazer parte do dicionário do governo, ocupando talvez o espaço até aqui reservado à promessa de «conciliar austeridade com crescimento económico». Aliás, a entrevista sintetiza-se em cinquenta minutos de equilíbrio orçamental, a despesas e receitas, a cortes e impostos, sem lugar para uma referência digna à «estratégia do governo para o emprego e o relançamento da economia», outra expressão que - definitivamente - não consta do seu dicionário.

(Publicado originalmente no Ladrões de Bicicletas)

sábado, agosto 27, 2011

ouvido no café

«Nós fomos os primeiros sem-abrigo deste bairro... Só íamos a casa para comer e dormir» (risos).
Ao ouvir isto lembrei-me subitamente, vá-se lá saber por quê, do «trabalhador» Américo Amorim.

sexta-feira, agosto 05, 2011

tributo solidário

«Quando num contexto de emergência social, o que o governo tem para dizer aos mais pobres é “tomem lá um kit de sobrevivência e agora vão limpar matas”, dá-nos uma mensagem clara sobre o modelo de sociedade que ambiciona. Um modelo que encontra no ressentimento social a sua energia fundadora.»

(Pedro Adão e Silva, Léxico Familiar)

domingo, julho 03, 2011

o bloco em crise

das explicações aparentes às razões profundas

1. O desaire do Bloco de Esquerda nas últimas eleições legislativas, com a perda de cerca de metade do seu eleitorado, é demasiado expressivo para que possa digerir-se recorrendo a justificações «convencionais». De facto, nem é convincente a tese sobre as dificuldades da «percepção da mensagem por parte do eleitorado» (a consciência sobre o fracasso da via austeritária é crescente e suficiente para pensar que ela configura já um segmento muito apreciável da opinião pública), nem colhe de modo muito plausível o argumento de que o Bloco enfrentou estas eleições em circunstâncias conjunturais demasiado adversas (por exemplo, o memorando da troika, ao balizar forçosamente a governação nos tempos mais próximos, independentemente da vitória do PS ou do PSD, permitiu apesar de tudo aliviar um pouco a pressão sobre o «voto útil»). Por conseguinte, dispensar o partido de uma séria introspecção, tomando os últimos resultados eleitorais como simples percalço, ou mero resultado de factores externos desfavoráveis, é o primeiro passo para não compreender o significado mais profundo desta derrota.

2. Numa espécie de diagnóstico propositivo, têm sido apresentadas algumas pistas para superar a indisfarçável crise em que o Bloco se encontra. Entre elas, destacam-se a necessidade de renovação das lideranças (através da «passagem de testemunho», nos «lugares de topo», a gerações mais novas de militantes); e a necessidade de reforço da implantação social do partido (que explicaria, pela sua insuficiência, o facto de o PCP/PEV não ter sido alvo de um desaire eleitoral como aquele com que o Bloco se confrontou no passado dia 5 de Junho). Estas duas teses para a mudança (renovação de lideres e reforço da impregnação social do partido), merecem uma discussão profunda, sem a qual se corre o risco de servirem de argumentos que apenas ocultam (e adiam) o debate sobre o que é essencial.

3. A questão da renovação das lideranças é sempre, em abstracto, um assunto relevante num partido que se quer vivo e dinâmico. Contudo, do ponto de vista da superação da actual situação, esta saída não parece configurar uma resposta que vá ao encontro dos problemas de fundo. Desde logo, porque dificilmente explica os saldos eleitorais obtidos há apenas dois anos atrás, em 2009, quando estas mesmas lideranças conduziram o Bloco aos seus melhores resultados de sempre. E não se vislumbra, em segundo lugar, em que medida essa renovação poderá responder eficazmente a questões que com ela se relacionam, nomeadamente as que dizem respeito a culturas instituídas no funcionamento do partido. De facto, se com a questão das lideranças se pretende trazer para o debate o conjunto de culturas e práticas de funcionamento (susceptíveis de explicar a crise em que o Bloco se encontra), então o verdadeiro problema reside nessas mesmas culturas e práticas (que assim sendo devem estar no centro da análise) e não na simples «mudança de rostos».

4. Por outro lado, a tese que procura explicar o contraste entre os resultados eleitorais do Bloco de Esquerda e do PCP/PEV (que suportou bastante bem o suposto embate do passado dia 5 de Junho), através da insuficiente consolidação de formas de articulação com estruturas sociais e políticas carece – neste contexto – de precisão. Se é certo que o Bloco sempre valorizou formas de diálogo e relação com movimentos sociais, sindicais e associativos, é igualmente verdade que o valor intrínseco dessa articulação reside no potencial de construção programática que esses laços permitem e não numa espécie de constituição de «rede social e política de suporte» ao partido em actos eleitorais. Aliás, de um ponto de vista estritamente simbólico, reivindicar a formação dessa «rede de suporte» eleitoral não é muito diferente de pressupor a necessidade de existência de uma «frota de autocarros» com militantes permanentemente disponíveis, como sucede noutros partidos. O eleitorado do Bloco é, neste sentido, um eleitorado diferente, mais exigente e por natureza mais difícil de fidelizar. Essa é uma circunstância distintiva do partido, com a qual ele tem que saber viver. De facto, a fidelidade do eleitorado do Bloco depende muito mais da capacidade continuada que este revele para alcançar uma definição programática e um perfil politico crescentemente consistentes e credíveis, do que da existência de uma espécie de «seguro eleitoral», assente na implantação do partido em movimentos e estruturas sociais e políticas.

5. Ora, é justamente na capacidade que o Bloco de Esquerda revele, no campo da construção consistente e credível do seu perfil programático e imagem política, que reside um dos pilares fundamentais em que deve assentar a reflexao. Tal como é também a partir deste prisma que devem ser interpretadas, e devidamente aquilatadas, duas decisões que interferiram no resultado eleitoral obtido: a moção de censura e a recusa do encontro com a troika. No primeiro caso, o problema não se situa na moção de censura em si (apesar de abrir teoricamente as portas ao ingresso da direita no poder). Resulta sobretudo da evidência de que a moção foi motivada por uma lógica de estrito combate partidário (com o PC), a que se somou a tentativa de «limpar a face» na sequência do apoio a Manuel Alegre nas eleições presidenciais. E, neste passo, o Bloco deu ao eleitorado um inequívoco sinal de imaturidade politica. No segundo caso, a decisão de não reunir com a troika reforçou – simbolicamente – um dos mais delicados «calcanhares de Aquiles» do Bloco: o seu sentido de responsabilidade institucional. Não se tratava, como todos bem sabemos, de negociar com a troika. Tratava-se sim de dar voz à contestação fundamentada da solução austeritária e, igualmente, de projectar com clareza uma imagem de sentido de pertença e de responsabilidade na ocupação do espaço político e partidário. A imaturidade politica e institucional que o Bloco revelou nos episódios da moção de censura e da reunião com a troika deitaram a perder uma longa e difícil luta contra o estigma da «irresponsabilidade», que se colou ao Bloco de Esquerda desde a sua fundação.

6. Chegados aqui, é importante sublinhar que o principal problema que se poderia antever num partido que resulta da convergência de correntes ideológicas e de partidos próximos entre si, mas ao mesmo tempo suficientemente distintos, estaria no plano da construção programática. Ora, o que justamente sucede é que – a este nível - o Bloco de Esquerda fez apesar de tudo um percurso muito positivo de conciliação de diferentes visões e ideologias. De facto, são inegáveis os avanços que o Bloco foi alcançando em matéria de proposta política concreta nos distintos domínios da governação, com uma fundamentação que é, apesar de tudo, cada vez mais sólida e credível. De facto, partindo das diferenças políticas e ideológicas das forças que congrega, o Bloco de Esquerda foi conseguindo construir um programa crescentemente coeso e unificador, mas que apenas aparentemente sugere a diluição progressiva (e discutida) dos alinhamentos distintos que o constituem. Se pode afirmar-se que o Bloco fez bem o «trabalho de casa», no plano programático, já o mesmo não se pode dizer quanto ao empenho em fazer «o trabalho em casa», isto é, no plano da discussão e convergência ideológica interna.

7. Assim, o problema de fundo com que o Bloco de Esquerda hoje se confronta reside no seguinte paradoxo: a capacidade evidenciada para conseguir uma elevada convergência programática não teve paralelo na capacidade (ou vontade) para dissolver e articular de modo progressivo (e efectivo) as diferenças existentes entre os partidos e as sensibilidades fundadoras (a que deve juntar-se, naturalmente, a «corrente» dos não-alinhados em nenhuma das sensibilidades iniciais). Os diferentes pontos de vista ideológicos de partida encontram-se, de facto, basicamente intactos, em resultado de um profundo défice de discussão «meta-programática». Materialmente, este imobilismo torna-se evidente na lógica excessiva de «quotas e lugares por tendência» ou no jogo de equilíbrio e compensação em decisões quotidianas (como demonstra o ziguezaguear entre o apoio a Manuel Alegre, a moção de censura e a recusa do encontro com a troika). Mais recentemente, ganharam redobrada expressão e visibilidade manobras de marcação e colonização de espaço no interior do partido, incluindo ofensivas (por vezes cirúrgicas) orientadas para isolar posições ou sectores críticos. A cristalização das diferentes correntes no seio do Bloco agudizou as distintas perspectivas ideológicas que as mesmas encerram e marcou crescentemente as lógicas e culturas de funcionamento do partido. O consenso programático foi deixando de ser suficiente para encobrir o desequilíbrio nas sensibilidades que constituem o Bloco, saindo reforçada para o exterior a imagem de um partido acantonado na lógica do «contra-poder» que frustra, naturalmente, as expectativas de uma parte muito significativa do seu eleitorado.

(contributo para a discussão em curso no Bloco de Esquerda)

domingo, junho 26, 2011

a chapelada

A discussão que subjaz a coisas como «Rui Tavares, devolve-me o meu voto» é tão surreal como imaginar meia dúzia de operários da construção civil, frente a uma parede por rebocar, entretidos a reinvindicar entre si os tijolos que cada um colocou. Aliás, se no Parlamento Europeu descobrem que afinal foram assim tantos os votos no Rui Tavares, ainda mandam fazer as malas ao Miguel e à Marisa.

quinta-feira, junho 23, 2011

umas contas interessantes

e perfeitamente plausíveis na conclusão a que permitem chegar…

«O Bloco de Esquerda teve 382.667 votos nas eleições para o PE; se o partido tivesse tido 379.786 votos, teria sido a CDU (com 379.787) a eleger o 3º deputado. Ou seja, menos 2.881 votos e o Bloco não teria eleito o 3º deputado (por outras palavras, bastaria que 1 em cada 125 eleitores de BE não tivesse votado assim, para que este só tivesse 2 representantes). Ora, Rui Tavares é uma figura conhecida, o ele ser candidato foi várias vezes referido na comunicação social e na campanha creio que houve alguns discursos do género "vamos ver se levamos o Rui Tavares a Bruxelas!". Assim, é bastante provável que algumas pessoas terão votado BE por lá estar o Rui Tavares; será que a hipótese de pelo menos 1 em cada 125 votantes do BE ter sido influenciado pela sua presença é assim tão descabida?
Por outras palavras, atendendo ao perfil público de Rui Tavares e à margem estreitissima pelo qual o Bloco elegeu o 3º candidato, parece-me possível que tenha sido mesmo ele a trazer efectivamente os votos que permitiram a sua eleição.»

(Miguel Madeira, Vias de Facto)

sábado, junho 18, 2011

lugares com estátuas (XIX)

José Samarago (Azinhaga do Ribatejo)

segunda-feira, junho 13, 2011

a maionese

O João Rodrigues encontrou na «salada russa» uma bela metáfora para descrever a diversidade de perspectivas que coexistem no Bloco de Esquerda. Se é verdade que esta expressão convoca muitas vezes a ideia de «miscelânea» e de «confusão», o sentido que o João lhe atribui é outro e bem mais interessante, pois sublinha as possibilidades de confluência, complementaridade e congruência entre diferentes «manières de voir» à esquerda. Partindo de considerações inscritas num post do Miguel Madeira, o João Rodrigues identifica e define três tendências: «social-democracia de esquerda», «Estado estratega» e «esquerda libertária».

Em boa verdade, estas correntes ideológicas existem no Bloco desde a sua fundação, não sendo muito difícil relacionar o grau de intensidade com que cada uma se manifesta com os partidos que lhe deram origem (PSR, UDP e Política XXI), nem assumir que todas elas têm igualmente expressão nos militantes do BE «enquanto tal», isto é, que a ele «chegam» sem estar relacionados com as forças que o constituíram inicialmente. Os doze anos de história do Bloco de Esquerda testemunham aliás como – até há bem pouco tempo – a gestão das diferentes sensibilidades tem sido, apesar de tudo, bastante conseguida (como demonstra o crescimento eleitoral alcançado até 2009).
Recorrendo à metáfora do João, pode pois dizer-se que o segredo do êxito se deve à «maionese», que foi demonstradamente capaz, durante muito tempo, de ligar bem os diferentes «legumes» que constituem esta «salada russa». Ou seja, não sendo as tendências ideológicas atrás referidas um dado novo na vida presente (e eventualmente futura) do BE, é na gestão interna do diálogo e do compromisso (a dita «maionese») que se fundou a produção de um discurso em regra coeso e consistente, capaz de permitir avanços programáticos muito significativos ao longo do tempo.

A possibilidade de entendimento, articulação e construção de um discurso unificador e comum é, desde o início, o maior desafio do Bloco de Esquerda. O momento em que o partido se encontra, marcado pelo desaire profundo das últimas legislativas (com a perda de cerca de metade do seu eleitorado, numa conjuntura que era tudo menos desfavorável à subida) obriga necessariamente a uma ampla reflexão. À luz da metáfora da «salada russa», o que está em causa é saber se a «maionese» falhou porque o Bloco atingiu um estado de maturação que não mais permite ligar os diferentes «legumes» sem uma clarificação inequívoca de trajectória (entre, se quisermos, a ideia da «esquerda grande», capaz de congregar um amplo arco de alianças à esquerda, e a ideia de uma «esquerda pequena», mas eficaz e intransigente na lógica de contra-poder). Ou, em alternativa, saber se a responsabilidade cabe essencialmente à própria «maionese», pelo facto de – no tempo mais recente – ter desencadeado uma sucessão de escolhas contraditórias entre si. Isto é, na tentativa de agradar a todas as tendências, o recurso alternante entre escolhas de sinal contrário ou de lógica desconexa, que não só corroeu as condições da coesão interna como acabou por não satisfazer verdadeiramente nenhuma (ou quase nenhuma) das sensibilidades em jogo.

A resposta a esta questão, que muito provavelmente encontrará até sentido na conjugação das duas hipóteses anteriores, é incontornável. Não adianta assobiar para o ar e esperar que a «borrasca» passe, porque a actual crise do Bloco é muito mais profunda e decisiva do que uma simples «tempestade num copo de água». Tal como não adianta tratar o assunto como se a sua raiz estivesse na questão das lideranças. Manifestamente não está e reside essencialmente, isso sim, na (des)orientação que o BE tem seguido e em práticas de construção interna das decisões que nem sempre dignificam - como se espera - o partido. Mas menos desejáveis são ainda as manifestações de «cegueira deliberada», que de forma mais ou menos subreptícia acusa os eleitores de não compreenderem a iluminada mensagem que o partido transporta gloriosamente consigo. Ou, para lá dos limites do que é democraticamente aceitável, tentar isolar e desqualificar os mensageiros, em lugar de discutir os seus argumentos.
Os «legumes» estão perfeitamente dentro do prazo de validade. A questão é, por um lado, a de saber se podem (e como podem) continuar a ser combinados de forma interessante e, por outro lado, a de averiguar o que há de errado com a «maionese» que tem sido utilizada, no intuito de descobrir o modo como esta pode (ou não) readquirir a capacidade de fazer uma promissora «salada russa».

sexta-feira, junho 10, 2011

last warning

Num texto publicado pelo Daniel Oliveira no Arrastão - que subscrevo na íntegra e que vale a pena ler até ao fim - há uma noção sobre a qual me parece existir um assinalável défice de consciência: «Os resultados das últimas eleições foram o último aviso dos eleitores do Bloco.» Não está em causa, como aliás o próprio Daniel refere, a extinção absoluta do partido. Mas está claramente em questão a existência do Bloco como o conhecemos até aqui e, sobretudo, as expectativas matriciais quanto ao lugar que lhe pode caber no horizonte da política portuguesa.

segunda-feira, junho 06, 2011

são rebentos de soja, senhor

"...cultivados na Alemanha. Ninguém me tira da cabeça que os pepinos ibéricos foram vítimas do clássico racismo alemão, uma coisa quase genética. A E. coli e a probabilidade de se ter espalhado por falta de higiene nunca podia ter origem num país onde a arrogância não tem limites. Não, não precisam de um Hitler: quem tramou os países do Sul e agora aproveita para os chupar até ao tutano não tem emenda. Nem nas bactérias."

(João José Cardoso, Aventar)

quarta-feira, maio 25, 2011

os gestores

"Vinte gestores, diz um relatório da CMVM, têm, sozinhos, mais de mil lugares de administração em empresas nacionais. Recebem, em média, 297 mil euros por ano. Uns meio milhão. Um deles dois milhões e meio. Diz-se que a inveja é o pecado nacional. Da minha parte, confirmo. Não tanto dos salários que os senhores recebem, que sou rapaz de me contentar com menos. Mas da sua extraordinária capacidade de trabalho. Não admira que sejam estes mesmos senhores a exigir moderação salarial. Conseguíssemos nós, preguiçosos, ter tantos empregos simultâneos e em todos trabalhar de forma a justificar vários bons salários e também nos chocávamos com a facilidade com que tanta gente leva, em média, 780 euros mensais para casa por dar todo o seu tempo a apenas uma das empresas onde estes senhores dão no duro."

(Daniel Oliveira, Arrastão)

terça-feira, maio 03, 2011

celebrar a morte

"Festejar a morte de Bin Laden como se de uma vitória no Super Bowl se tratasse perpetua o Carnaval do ódio trivializando a vingança enquanto hipótese de justiça."

(Bruno Sena Martins, Arrastão)

sexta-feira, abril 08, 2011

nice weather

"Espera-nos um plano de austeridade que será caucionado pelos partidos que nos governam há décadas e que terá tão poucos matizes essenciais quanto maior for o apelo à inevitabilidade. E vai ser grande. É preciso rasurar as possibilidades de um outro caminho e omitir a injustiça dos cortes que se preparam: ao mesmo tempo que a banca paga menos IRC que o Sr. Reis da mercearia, perspectivam-se reduções nos salários, subsídios e pensões; ao mesmo tempo que as Parcerias Público-Privadas continuarão a alimentar clientelas económicas teme-se que um machado venha a pairar sobre a saúde e a educação públicas; ao mesmo tempo que o discurso político-económico entrará numa modorra monolítica, o país entrará em recessão. Mas também podemos ser um nadinha optimistas: ao mesmo tempo que a política austeritária e o discurso das inevitabilidades formarão um bloco coeso, crescerá a necessidade de uma alternativa. Hoje é dia 7 de Abril e um calor infernal invade o país. Uma inglesa com as costas cor de camarão confessa ao seu parceiro: «what a nice weather». E ainda não viram nada."

(Miguel Cardina, Arrastão)

terça-feira, abril 05, 2011

nem ao facebook confesso

Mas estou muito curioso por ver a reacção do eleitorado à aproximação entre o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português.

terça-feira, março 29, 2011

bright side

"Ficámos hoje a saber que a Assembleia da República não realizará a tradicional sessão comemorativa do 25 de Abril, uma vez que já estará dissolvida. Há quem legitimamente se lamente com o facto. Eu próprio gosto de ficar a ouvir os discursos enquanto observo cravados e desencravados. Mas não há dúvida que a inexistência de cerimónia também tem os seus lados positivos: em primeiro lugar, estaremos a salvo de um qualquer Aguiar Branco que decida aproveitar a data para defender a revisão constitucional e atacar o Estado Social com base em frases de Lenine, Sérgio Godinho e Rosa Luxemburgo (sim, isso aconteceu); em segundo lugar, ficaremos a saber quais os deputados e deputadas que decidirão comemorar a data onde ela também merece ser comemorada - na rua. Como diziam aqueles filósofos britânicos dos anos setenta, o que é preciso é olhar sempre para o lado luminoso das coisas."

(Miguel Cardina, Arrastão)

terça-feira, março 15, 2011

o pec adicional

O governo anunciou mais um pacote adicional de austeridade, o PEC IV, na linha dos anteriores: cortes nas pensões, «poupanças adicionais» na saúde, «redução adicional» da despesa com prestações sociais, revisão adicional das indemnizações por cessação do contrato de trabalho e das condições de atribuição do subsídio de desemprego. Entre outras medidas de redução adicional da despesa figuram ainda as «reformas no sistema educativo» e no «sistema científico e tecnológico», feitas respectivamente em nome - pois claro - da «melhoria do sucesso escolar» e do «perfil competitivo da economia portu-guesa».
Os economistas da recessão congratulam-se com a manutenção do rumo e, tal como em episódios passados, não tardarão a vaticinar a necessidade de novos PECs - à imagem e semelhança deste e dos anteriores - para que o abismo austeritário prossiga a sua marcha. Para além das omissões quanto à desigualdade na distribuição dos sacrifícios, às disfuncionalidades da governação económica europeia e à face especulativa do sistema financeiro, estes economistas persistem em não responder a algumas perguntas simples: Como pode o reforço imparável da anemia económica, do desemprego e da quebra do consumo gerar crescimento? Como se supõe que a trajectória recessiva inspire confiança nos mercados, de modo a fazer descer os juros da dívida e criar condições para cumprir as metas do défice? Como explicam que a terapia doentiamente obstinada que defendem (e que tem sido seguida desde o início da crise) contrarie de forma sistemática os resultados esperados?

(*) Tendo em vista uma melhor visualização dos dados, as percentagens relativas ao «indicador de clima económico» e «perspectivas de poupança das famílias» foram convertidas numa escala de 0 a 10. Os dados são do INE e do Banco de Portugal.

(Postado originalmente no Ladrões de Bicicletas)

domingo, março 13, 2011

hoje e amanhã

quarta-feira, março 09, 2011

quando quer é tramado

O «povo», a quem tanto dá - através do televoto - para eleger Salazar como os «Homens da Luta».

segunda-feira, fevereiro 14, 2011

tanto risco para uma redundância

"O meu problema não é a censura ao governo, que só pode contar com o meu apoio. São as consequências práticas desta moção. E um partido não se limita a gritar a revolta. Tem de lhe dar um caminho medindo as consequências de cada ação. Se alguém, para censurar o governo, avançar com a ideia de nos atirarmos todos ao rio eu serei contra. Porque sou menos convicto na oposição às políticas do primeiro-ministro? Não. Sou só menos maluco."

(Do post de Daniel Oliveira, no Arrastão, que vale a pena ler na íntegra)

domingo, fevereiro 13, 2011

entreter a pobreza

Uma decisão conjunta da Comissão Europeia e do Parlamento Europeu estabeleceu 2010 como o Ano Europeu de Luta contra a Pobreza e a Exclusão Social. Exacto, 2010, um ano em grande para a agenda política das soluções recessivas à escala europeia. O ano do Cavalo de Tróia, em que o imperativo de combate ao défice nos países periféricos estabeleceu escru-pulosamente as regras da batalha: cortar nas despesas sociais e nos salários, deixando a salvo os interesses financeiros, a economia especula-tiva, a espiral do endividamento privado e a injustiça fiscal.
Seguindo as orientações da própria iniciativa comunitária, tratou-se essencial-mente de "responsabilizar e mobilizar o conjunto da sociedade", descentrando das instâncias estatais a responsabilidade colectiva no combate à exclusão social. Nada de contraditório, portanto, com o rumo austeritarista definido: conter o défice cerceando as funções sociais do Estado, sacrificando as classes com menores recursos e transmutando a lógica de direitos estabelecidos numa difusa e incerta responsabilidade da sociedade no seu todo, sem explicitamente confi-gurar, atribuir ou firmar qualquer espécie de compromisso.
Vale a pena espreitar o conjunto de iniciativas que preencheram, entre nós, a "celebração" do Ano Europeu de combate à Pobreza e Exclusão Social (AECPES) e que consumiram, aparentemente de modo exaustivo, os cerca de 700 mil euros orçamentados. São essencialmente conferências, debates, mostras e colóquios. Que envolveram sobretudo pessoas e instituições conhecedoras dos contornos da pobreza e da exclusão. Parole, parole, parole. À perplexidade que fomos sentindo ao ver os spots publicitários, a intercalar as notícias sobre os PECs e os cortes sociais, junta-se este confrangedor balanço (sobretudo no confronto com que um ano assim deveria significar). Na página portuguesa do AECPES figura a tshirt aqui ao lado. Não, não precisam fazer um desenho, já percebemos tudo.

(Postado originalmente no Ladrões de Bicicletas)

sexta-feira, fevereiro 11, 2011

a vitória da verdade

"Cavaco Silva, que lá parece ter tido tempo para ler a imprensa depois das eleições, responde hoje no site da presidência às notícias que a Visão tem vindo a publicar sobre a permuta da sua casa de férias na “aldeia do BPN”. (...) Da confrontação do comunicado com a resposta da Visão percebe-se que, depois de ter tentado evitar o pagamento de sisa com uma permuta que avaliava pelo mesmo montante casas de valor notoriamente distinto, Cavaco pagou o imposto, sim, mas apenas depois de notificado pelas finanças para a existência de uma discrepância patrimonial entre os dois imóveis superior a 80 mil euros. Digamos que é assim que a modos a diferença entre cumprir a lei e ser obrigado a cumpri-la. De resto, a comparação entre as duas casas, que é possível ver no slideshow que acompanha esta notícia da Visão, é esclarecedora. Cavaco e o seu colega de infância trocaram uma casinha por um casarão. Ter sempre amigos dispostos a perder dinheiro com a sua pessoa parece ser uma das melhores qualidades do senhor professor. Que os mesmos estejam sempre ligados ao BPN será, certamente, uma coincidência."

(Pedro Sales, Arrastão)

sábado, fevereiro 05, 2011

desassossegos

"O Colóquio Portugal entre desassossegos e desafios propõe-se discutir a actual condição do país, a partir de um balanço reflexivo e prospectivo sobre as transformações que vêm marcando a situação interna de Portugal e a sua inserção internacional. As mudanças que têm vindo a desenrolar-se desde o 25 de Abril de 1974, sobre o pano de fundo dos processos de democratização, descolonização, integração europeia e modernização socioeconómica, fazem-se sentir em dois planos combinados. Por um lado, no plano interno, a acelerada modernização económica e cultural do país tem-se feito acompanhar de alterações acentuadas nas condições e nos modos de vida dos indivíduos e dos grupos sociais. Desenham- se novos protagonismos, oportunidades e expectativas de vida, mas também novos padrões de desigualdade, segmentação e exclusão social. Por outro lado, no plano externo, sob os efeitos da aceleração dos processos de globalização, do fim da presença colonial e da adesão à União Europeia, o país foi traçando novos alinhamentos internacionais. Nesse quadro, emergem novos e heterogéneos modelos de relacionamento com os países de expressão portuguesa e as antigas colónias. A compreensão aprofundada do modo como Portugal se vem reajus-tando a esta nova conjuntura é um aspecto fundamental para o entendimento da sociedade portuguesa."

quarta-feira, fevereiro 02, 2011

deolinda

"Mas o que ali aconteceu foi diferente: a insatisfação de uma parte considerável da sociedade tinha encontrado maneira de se dizer. E se isso também não é novo - há quanto tempo andamos a falar de precariado, de falsos recibos verdes, de geração bloqueada? - aquele momento trouxe alguma coisa que faltava: uma linguagem simples para falar de experiências comuns."

(Miguel Cardina, Arrastão)

terça-feira, fevereiro 01, 2011

redes

Cooperação científica na Europa (ou um olhar diferente sobre as cidades e redes urbanas do velho continente).
(Via João Pinto e Castro, ...Bl-g- -x-st-)

segunda-feira, janeiro 31, 2011

as escolhas de cavaco

"Cavaco Silva prescindiu do vencimento atribuído ao PR e escolheu manter as reformas a que tem direito. Há algo de errado nisto. Mas o quê?" (José Medeiros Ferreira, Córtex Frontal)

Tem razão Medeiros Ferreira, isto faz comichão na cabeça. Será a sobreposição do homo economicus (stricto senso), ao homo politicus? A transcendência das escolhas simbólicas e coerentes ultrapassada pelo pragmatismo individualista? O merceeiro Aníbal (reformado) a impor-se ao presidente Cavaco (em exer-cício)?

(Em estéreo)

domingo, janeiro 30, 2011

da liberdade

"Tunísia, Egipto, Jordânia, Argélia, Iémene. O Médio-Oriente vai encontrando o seu caminho para a democracia apesar de Bush e do voluntarismo bélico do Ocidente fundamentalista. Bush queria fazer do Iraque um exemplo, e conseguiu: o exemplo de como não se faz. Nestes tempos interessantes, ganham especial pertinência as palavras de David Cooper [A Linguagem da Loucura, 1978]: «ninguém pode libertar outrem, porque a liberdade é o acto de a tomar.»

(Bruno Sena Martins, Arrastão)

sexta-feira, janeiro 28, 2011

divina comédia

Discussing the Divine Comedy with Dante (Dudu, Li Tiezi, and Zhang An, 2006). Cento e três rostos famosos. Fica a dúvida quanto à ausência de Cristo: não entra por falta de fé dos autores ou porque deuses não contam?

segunda-feira, janeiro 24, 2011

verdade e ilusão

"Ouvi há pouco Cavaco afirmar que tinha vencido a verdade. A verdade de Cavaco é o silêncio. No discurso de vitória, não só atacou todos os que ousaram escrutiná-lo, como se escusou a responder a qualquer questão que lhe fosse dirigida pelos jornalistas. Nesta campanha, Cavaco foi desmascarado na sua suposta imaculada existência. Hoje é claro que fez dinheiro à custa de amigos pelintras. Mas achou que estava acima da obrigação de esclarecer o que tinha - e tem - de ser esclare-cido. Cavaco nunca perdeu os tiques de pequeno ditador.
Cavaco afirmou hoje, magnânimo, que nunca vendeu ilusões. Só quem prefere esquecer os 10 anos de governo cavaquista pode deixar de recordar o discurso do 'pelotão da frente'. Dia sim dia não, o então primeiro-ministro dizia-nos que no espaço de uma década estaríamos entre os países mais desenvolvidos da UE. Isto num país pobre e sub-qualificado (e sê-lo-ia hoje ainda mais, se mantivéssemos as opções de educação do seu reinado), dominado por grupos económicos parasi-tários que cresceram à custa de privatizações a preço de saldo e das auto-estradas cavaquistas. O demagogo de todas as horas não perdeu o jeito.
Depois de um mandato marcado por aquelas relevantíssimas e esclarecedoras intervenções relacionadas com o Estatuto dos Açores, as escutas a Belém e o casamento homossexual, o homem continua a tentar convencer-nos que é um grande estadista. E já poucos duvidam que ele acredita no que diz. Estranho é que não seja o único.
O país não ficará mais arruinado com esta eleição, é certo. Mas este homem só deixa sossegado quem precisa muito de acreditar em qualquer figura plástica que lhes apareça no ecrán.
"

(Ricardo Paes Mamede, Ladrões de Bicicletas)

sábado, janeiro 22, 2011

vento que passa

sexta-feira, janeiro 21, 2011

don't make me say I told you so

(Gui Castro Felga, Oblogouavida)

quinta-feira, janeiro 20, 2011

a pergunta

"Acha que Cavaco Silva respeitou os seus deveres constitucionais no seguimento da conspiração lançada pelo Público em Agosto de 2009? Justifique a resposta"

(Via João Galamba, Jugular)

quarta-feira, janeiro 19, 2011

integridade

Disse Cavaco Silva, na primeira inter-venção do debate com Manuel Alegre: “Há aqui um ponto prévio, porque o doutor Manuel Alegre, durante pelo menos 50 vezes, me acusou de destruir o Estado social. E é uma afirmação falsa, sem qualquer fundamento. Eu tenho que demonstrar hoje, aqui, que ele andou a enganar os portugueses”. Mais tarde, abordado por uma mulher que se quei-xou de não ter dinheiro para alimentar o filho, o candidato recomendou: “vá a uma instituição de solidariedade que não seja do Estado". Em Aveiro, ao encontrar manifestantes que, à boleia da questão dos cortes nos contratos de associação, defendem o cheque-ensino, o ainda presidente considerou importan-te que «crianças, jovens, pais e professores venham para a rua para defender a sua escola» (palavras que nunca os estudantes do ensino público tiveram o "privilégio" de ouvir da boca de Cavaco).

O que mais "incomoda" em Cavaco Silva não é propriamente o seu entendi-mento acerca do Estado, da protecção social e dos serviços públicos (enten-dimento que é tão legítimo em democracia como o seu oposto). O que verdadei-ramente o desqualifica enquanto candidato à presidência da república, a par dos silêncios convenientes e das fugas ao debate democrático, é a mais des-pudorada falta de integridade para assumir ideologicamente – perante os eleitores – o que realmente pensa. Quem anda, afinal, a tentar enganar os portugueses?

(Postado originalmente no Alegro Pianissimo)

terça-feira, janeiro 18, 2011

motivo adicional

"Pressentindo a possibilidade de uma segunda volta, o candidato do PSD e do PP tem vindo a dramatizar crescentemente o tom da campanha. Uma estratégia que se tem desenvolvido em dois planos distintos mas convergentes. Em primeiro lugar, o recurso à vitimização, próprio de quem se julga desobrigado de qualquer tipo de exame público. Ficámos sem perceber porque Cavaco comprou acções ao preço que só Oliveira e Costa podia comprar. Ficámos a saber que Cavaco passa férias com os homens fortes do BPN, entre os quais Oliveira e Costa e Francisco Fantasia, numa casa da qual não se recorda onde e quando fez a escritura. A esse escrutínio de amizades nebulosas tecidas em contexto político Cavaco chama "ataques de vil baixeza". Felizmente, neste caso da Aldeia da Coelha, Cavaco Silva já afirmou que dia 23 de Janeiro lerá as notícias e dará explicações. Aí está um motivo adicional para o país querer um segunda volta."

(Miguel Cardina, Alegro Pianissimo)

domingo, janeiro 16, 2011

a demagogia do cheque-ensino

"Importa assinalar a forma leviana, dema-gógica e superficial com que tem sido discutida, entre nós, a proposta do cheque-ensino. De facto, se todos os alunos de uma localidade, munidos do respectivo vale entregue pelo Estado, pretendessem frequentar a melhor escola que têm ao seu dispor, como ficaria a tão aclamada "liber-dade de escolha"? Quem acabaria por es-colher quem? Não custa imaginar que, perante um aumento da procura superior à capacidade de oferta, as melhores escolas privadas (que pretendem legitimamente manter a sua reputação nos rankings) escolheriam os melhores alunos. Ao mesmo tempo que, com a transferência de fundos para o ensino privado, a pauperização e degradação das condições de financiamento e funcionamento das escolas da rede pública se veriam ainda mais agravadas, generalizando um sistema dual que hoje - apesar de todas as desigualdades económicas conhecidas - o sistema público tem, em certa medida, impedido."

(Do artigo de hoje, no Público)

sábado, janeiro 15, 2011

uma questão de rating

"«Costumo dizer que quem quiser ser mais honesto do que eu tem de nascer duas vezes». Uma frase que define Cavaco. Comprá-lo por aquilo que ele vale e vendê-lo pelo que ele pensa que vale deve dar mais do que 140% de lucro."

(Da crónica de Rui Tavares, que merece ser lida na íntegra)

quinta-feira, janeiro 13, 2011

insignificantes consequências

"Olhando agora para o desperdício de tempo e de oportunidades dos últimos anos, o Tratado de Lisboa aparece como uma boa ilustração dos equívocos em que se tem vivido. Vale a pena reler a abundância de declarações então feitas sobre o seu extraordinário significado, e compará-las com as suas insignificantes consequên-cias. Vale a pena rever as caríssimas encenações que então se multiplicaram para glorificar um acordo que repetidamente se apresentava como "histórico" para o futuro da Europa, e confrontar toda essa tagarelice com os impasses em dominó que, justamente desde então, têm bloqueado a União Europeia. E isto aconteceu muito simplesmente porque o Tratado de Lisboa passou completamente ao lado do grande problema da Europa, que era e continua a ser o do enorme desajuste entre as suas instituições e aquilo que hoje se exige de uma economia integrada."

(Manuel Maria Carrilho, via Vias de Facto)

terça-feira, janeiro 11, 2011

o bairro

Uma epidemia abateu-se sobre um bairro, ameaçando sobretudo as casas perifé-ricas, mais frágeis. Apesar de a vida do bairro ser gerida entre as famílias, se-gundo processos democráticos por todos estabelecidos, os moradores das casas do centro, mais poderosos, entenderam ordenar aos moradores da periferia o que deviam fazer para evitar (ou curar) a epidemia. Num claro abuso de poder face às regras vigentes, não se limitaram portanto a dizer que era preciso estancá-la, acrescentando como o deviam fazer. E a todo o momento lembravam os restantes moradores que o incumprimento das suas orientações clínicas poderia acarretar, em última instância, a expulsão da comunidade.
A dita epidemia consistia numa infecção, que consumia os glóbulos brancos das vítimas. O tratamento estipulado pelos moradores das casas do centro, em lugar de recomendar o reforço controlado dos níveis de leucócitos (e de promover a sua distribuição contratualizada pela comunidade), consistia estranhamente em proceder à sua extracção do organismo dos moradores infectados ou em risco de infecção. Segundo eles, uma sucessão de punções na medula haveria de afastar a doença, ou impedir o seu aparecimento perante os primeiros sinais de vulne-rabilidade.
Sucede que o organismo responsável pela epidemia não se comovia com o esforço clínico que era sucessivamente imposto às vítimas. Isso era estranho, e até contrário, à sua natureza. De facto, quanto mais débeis estas fossem ficando, com os tratamentos a que eram sujeitas, mais a epidemia podia livremente alastrar, obter os seus ganhos na batalha que travava com os moradores das periferias e, assim, demonstrar e exercer o seu poder.
Perante os fracassos sucessivos da terapêutica imposta pelos moradores do centro aos moradores da periferia, a culpa era constantemente assacada a estes últimos, por mais que cumprissem à risca as orientações clínicas estipuladas. Por vezes, logo após cada punção, os moradores do centro até mostravam a sua satisfação pelo facto de os moradores da periferia acatarem as suas instruções de forma tão obediente. Mas ao menor sinal de fracasso, a uma debilitação acrescida causada pelo tratamento, sucedia-se a repreensão e um novo programa de cura, ainda mais severo, que diminuía sem cessar o nível de glóbulos brancos disponíveis e a capacidade de os produzir.
O que se tornava mais estranho nesta história era o facto de os moradores do centro, perante toda a evidência acumulada, nunca terem aparentemente colo-cado a hipótese de o erro estar no tratamento estabelecido e sempre preferirem depositar a culpa nos moradores da periferia, por mais que estes o cumprissem com escrúpulo. Para uns, isso devia-se a uma obsessão com a terapêutica, de tal forma cega, que os impedia de constatar como a mesma era ineficaz e, até, contraproducente. Para outros, podia muito bem dar-se o caso de os moradores do centro do bairro verem na epidemia uma belíssima oportunidade para se livrarem dos moradores da periferia.

(Postado originalmente no Ladrões de Bicicletas)

sábado, janeiro 08, 2011

candura e confiança

"Verdade que 300 mil euros não são uma fortuna e que a excitação da época levava com naturalidade a excessos lamentáveis. Só que a alegada candura de Cavaco não o recomenda. Quem se envolveu - porque ele de perto ou de longe se envolveu - na trapalhada do BPN não é aparentemente criatura indicada para superintender, com o seu conselho e a sua prudência, a economia de Portugal inteiro. Quem nos garante que do assento etéreo a que tornará a subir não sairão opiniões ruinosas para o país? Quem nos garante que esse primoroso economista que tanto respeitávamos não se deixará enganar por um trafulha qualquer da Venezuela ou da Líbia? O dr. Cavaco pede confiança aos portugueses; e faz muito bem. Mas, com o caso BPN perdeu ele próprio a confiança dos portugueses."

(Vasco Pulido Valente, Público)

quarta-feira, janeiro 05, 2011

explique-se

"Precisamos de saber se o cidadão Cavaco Silva lucrou com um desses negócios que estão a ser pagos com o nosso sacrifício. Se não, assunto encerrado. Se sim, teremos de saber se tinha consciência disso. Se, com o extraordinário retorno que conseguiu, não desconfiou de nada, temos de passar a duvidar do seu suposto conhecimento do mundo das finanças. Se sabia o que estava a acontecer e resolveu ignorar e lucrar com este contrato tão vantajoso, então a coisa é grave."

(Daniel Oliveira, Arrastão)

terça-feira, janeiro 04, 2011

ladrões e bicicletas

As recentes declarações de Cavaco Silva sobre o BPN fazem lembrar um adolescente que, para distrair as atenções em relação aos amigos que espatifaram uma bicicleta (na qual também pedalou), acusa insistentemente o senhor da oficina pelo facto de este a não conseguir reparar.

(Em estéreo)

sábado, janeiro 01, 2011

uma imagem para 2011

John Maynard Keynes, a trabalhar no seu escritório em Londres (1940)